segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Cartunista - Pilot episode


Capítulo 5: Mattew e Renata (parte 2)
" Noite fresquinha"

- Renata! Que acha de deixarmos as arrumações pra depois irmos comer em algum lugar legal?

- Claro Mattew! Seria ótimo! Para onde vamos?

- Ué?! Para o lugar de sempre!
  
   Só pra estabelecer um melhor entendimento, essa é uma situação muito comum entre nós. Como eu nunca tenho dinheiro o bastante pra nos bancar em um lugar maneiro. Agente sempre termina as tardes comendo uma porrada de salgadinhos gordurosos e enchendo a cara de bebida barata de super mercado. Mas isso nunca me incomodou pelo menos não até agora.

- Cara você não tá cansado de sempre fazermos as mesmas coisas?
Puta-que-pariu. A vontade que eu tenho é de dizer que não, mas se fizer isso ela nunca mais vai olhar na minha cara e vai ter certeza de que eu sou um fracassado.

-Eh!... Bem... Não sei! O que você sugere?

- Não sei! Você é quem está convidando!

   Detesto quando ela me põe contra a parede e me obriga a pensar em algo que ela sabe que me incomoda. É como se estivesse dizendo "Anda, faz alguma coisa, se não eu vou ir embora pra sempre". Este tipo de coisa desperta meu sistema nervoso e me faz suar frio. Sem me esforçar muito digo a primeira coisa que me vem a cabeça:

- Que tal, dessa vez irmos à uma sorveteria? - Prendo a respiração aguardando a resposta.

- Perfeito! Faz muito tempo que não vou a um lugar desses!
Ufa, que alívio sinto um enorme peso sendo retirado das minhas costas. Uma voz interna grita quase ensurdecendo meus ouvidos, " é isso aí Matt..."

- Onde fica, é aqui perto?

   Sim, há uma sorveteria aqui perto, mas não posso levá-la naquela "birósca", o lugar está quase caindo aos pedaços. Tem uma outra perto da casa dela que não é tão ruim assim quanto os estabelecimentos daqui, só que os preços também não devem ser dos mais amigáveis!

- Não vamos à uma lanchonete que vende uns sorvetes maravilhosos, que fica perto da sua casa, daqui a umas duas quadras!

- Certo! Vamos caminhando o céu está escurecendo trazendo consigo uma noite fresquinha!

   Adoro quando ela foge do assunto principal e começa a apreciar as coisas da natureza. com certeza ela sabe que para levá-la em um lugar como o que vamos, terei de fazer um enorme esforço financeiro, sacrifício maior seria pagar um táxi ou buzão, para agente ir daqui até a outra esquina. Mas eu desse jeito delicado de dizer " Tudo bem eu entendo ". Eu prefiro ouvir " A noite está fresquinha, vamos caminhando!"

   Não levou nem 15 minutos de caminhada até a tal lanchonete, o lugar tem um nome bem sugestivo de " Happy hour club ", só pelo nome dá pra ver que é caro.

   Os assentos mais legais estavam ocupados por uns caras malhados acompanhados de suas namoradas gostosonas, que sempre usam aqueles perfumes adocicados com cheiro de frutas, talvez esses perfumes as façam sentir mais gostosas ainda. Mas isso não importa, o que me incomoda mesmo é que todos ao redor ficam olhando para agente, se perguntando algo do tipo:
" Quem que é esse maluco aí? ". Pelo menos é assim que o pessoal do gueto reage quando vê um forasteiro pelas bandas sombrias do subúrbio. Enquanto eu fico todo encabulado, me sentindo um mendigo com minhas roupas encardidas e desbotadas, Renata passa entre as mesas cumprimentando um por um com o sorriso mais forçado que já vi em toda a vida. Mas vamos concordar com uma coisa, a garota é mais popular que artista de TV, onde quer que eu vá com ela aparecem umas dezenas de marmanjos querendo tirar uma casquinha tá ligado(a). Não que eu devesse me importar com isso afinal nós não temos nada um com o outro mesmo, porém eu acredito que seja uma total falta de respeito importunar uma garota acompanhada por outro cara. Se fosse eu quem fizesse isso certamente levaria uns belos tapas , para aprender a ficar esperto. Pensando por esse ponto fica até fácil entender o porque de tanto desrespeito; é só olhar para um cara magrelo como eu que logo percebe-se que a garota que está ao meu lado só pode estar fazendo uma obra de caridade, e ainda por cima minha aparência não demonstra perigo nem sequer a uma mosca.

   Terminado o momento de constrangimento do dia fomos sentar numa mesa meio excluída, mas com visão esplêndida da cidade ao ar livre. Com uma lua semelhante a um queijo Suíço gigantesco, dá até vontade de morder, mas nesse instante nada me tira a atenção dos olhos grandes de Renata contemplando uma enorme lista de sorvetes saborosos e caríssimos, é quando se aproxima um sujeitinho bem do deslechado com uma pequena pelugem loira no queixo, a cara cheia de espinhas e um autoritarísmo estampado no rosto horroroso:

- E ai? Que vão pedir?

- Eu vou querer um sorvete de creme com chocolate e granola!

   Diz Renata toda bonitinha com a língua umidecendo os lábios antecipando a sensação que ainda estava por vir.

- Certo e você? - Agora ele olha pra mim com uma expressão impaciente! Eu não o culpo, também não seria muito feliz se tivesse que aturar diariamente uma cambada de filhinhos de papai com a bunda cheia de pomada anti-assadura.

- Eu... Não sei... Você tem aí uma carne bem passada no espeto? -

   Agora o cara me olha como se estivesse me esfaqueando em pensamento e Renata tenta controlar a vontade de rir, eu olho para ela e ai já viu, a garota começa a gargalhar e eu sigo o embalo sem nem ao menos me dar conta da cara toda vermelha de raiva que o atendente nervosinho estava fazendo. Mas já chega de zoar o cara, afinal quem está numa grande fria sou eu, todas as coisas aqui custam os olhos da cara. A saída foi pedir um suco de frutas que não pode custar mais do que 10 yens.

   Trazido o suco e finalmente deixados a sós, mal conseguia tocar na bebida de aparecia ótima e cara, enquanto observava Renata devorando graciosamente, o creme, o chocolate e por fim a granola.
Fiquei imaginando que todos nossos dias poderiam ser assim, tirando a parte do sorvete porque esse tipo de rolê não é muito econômico. Economias a parte, confesso que nada nesse mundo me agrada mais do que estar na companhia dela, até mesmo a pobreza torna-se apenas um detalhe charmoso que poderia nos unir, mas não isso o que rola.

   Sentindo as mãos tremulas os pés paralisados e tendo a impressão de que o mundo todo tivesse parado para ouvir a seguinte questão:

- Se por acaso ... Eu... Me tornasse alguém nessa vida, desse um duro danado e comprasse um lugar legal pra se viver, você viria comigo?

Tudo continua como estava, em silêncio, apenas Renata continua aumentando o suspense enquanto resgata desesperadamente as últimas raspas de creme, fazendo um barulho confortável e assombroso ao mesmo tempo. Levando a última colherada à boca em um processo tão lento que quase me enlouquece. No entanto tudo volta a seu lugar quando ela suga com carinho o liquido que resfria seus lábios rosados e diz:

- Você acha mesmo que conseguiria?

Não. Respondo pra mim mesmo...